terça-feira, 15 de maio de 2007

Vidas Enquadradas


Descrevendo a vida alheia enquadrada pela janela


Uma noite nunca é silenciosa no centro de Curitiba. Quando o barulho da rua parece diminuir e ouve-se apenas eventuais sirenes, é o vizinho que briga com a mulher ou o bebê que chora. É à noite que todo som tem um significado diferente, uma história a ser contada. A causa da sirene, do choro, da briga.

Em frente à minha janela tem um prédio de dez andares de janelas amplas. A maioria dos apartamentos não tem cortinas, o que os tornam palcos para uma pessoa curiosa.

A primeira janela mostra um casal assistindo TV. Mesmo com a luz apagada, a televisão ilumina a sala com um tom azulado que vai variando e absorve a atenção dos dois. Não pronunciam uma palavra. Parece que já não há mais o que desperte curiosidade um no outro. Acabou o motivo da conversa, a não ser que o programa seja mesmo muito interessante.

Na janela ao lado há vários jovens ao redor de uma mesa. Talvez joguem baralho ou algum jogo de tabuleiro. Enquanto um deles pula e parece gritar, o som de “truco” quase chega aos meus ouvidos. Somente em dois andares abaixo encontro movimento. Uma moça alta vestindo pijama anda pelo apartamento sem parecer muito ocupada. Me identifico de imediato. Sempre sozinha e sempre vagando pelo apartamento em busca de ter o que pensar. Logo ao lado há outra mulher, gorda e com idade avançada. Parece nervosa teclando num computador. Imagino se seria uma profecia do futuro da jovem de pijama. Sozinha teclando com alguém que acredita falar com uma loira, alta, de olhos azuis e 20 anos. Mesmo assim ela ainda pode estar só digitando uma monografia.

No último apartamento com movimentação há dois rapazes na janela. Possivelmente entediados. Provavelmente vendo a luz vermelha da minha câmera. Talvez pensando o mesmo que eu. Observar a vida de outras pessoas enquadrada pela câmera é muito útil para quem não tem mais o que fazer, ou não quer enfrentar o que tem dentro da própria janela.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Risco Bovino


Sobre o veganismo:


"Se estivessem em nosso lugar, as vacas fariam muito pior"

(JLEB)
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Nada de novo, velhas perguntas

Ultimamente, a idéia que persiste é a mesma já questionada há muito pelo velho Quintana.


Afinal, o que Deus quis dizer com esse nosso mundo?

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domingo, 13 de maio de 2007

Baseado em fatos reais

Uma história que ouvi sem querer e que gosto de lembrar em dias em que a desesperança aparece de mansinho, assim, como quem não quer nada






Foi com as mãos dadas ao tio Pedro, que entrou pela primeira vez em uma sala de cinema. O tio foi o único da numerosa família, retirante do interior de Pernambuco, que ao chegar a São Paulo não encontrou miséria ainda pior do que a do sertão. Toda sexta-feira, único dia de folga de tio Pedro, o pequeno José lembrava-se de que era uma criança, pois não precisava trabalhar e divertia-se com alguma novidade trazida pelo tio. Durante todos os outros seis dias da semana, José trabalhava como servente de pedreiro em obras comandadas por Pedro – seu tio-herói.



José tinha 8 anos e morava em um barraco com sua mãe e seus sete irmãos. O pai havia morrido antes de deixarem o Nordeste, de uma doença desconhecida, desde então se despediu de sua infância, pois quando não estava trabalhando duro nas obras, estava em casa cuidando dos irmãos mais novos. Seu único refúgio eram as tão aguardadas sextas-feiras.



Aquela foi especial, ao entrar no cinema se encantou e guardou cada cena do filme na memória como se guardam os momentos mágicos da vida. Talvez o mais importante, pois depois daquela sexta, seu dia de criança não voltaria a acontecer, o tio morreu e levou com ele tudo o que restava de alegria, José teve que abandonar o serviço nas obras e a família passou a ter mais dificuldades. Já eram apenas quatro irmãos, a mãe desesperando-se ao ver os filhos morrendo como o pai, de doenças desconhecidas, pois médico era um luxo que não poderiam usufruir.




José então virou catador de lixo. Saía com seu carrinho pela cidade de São Paulo em busca de algo que pudesse vender ou usar. Aos oito anos tinha responsabilidade de sustentar sua família e o fez. Passava os dias com o carrinho e à noite, lia sobre cinema. O tio lhe deixou o seu maior legado: a leitura. E assim, freqüentador da biblioteca, já era entendido de cinema, conhecia desde o processo de produção do filme até a projeção na tela.



Desde então a vida não lhe reservou grandes surpresas, estava com 56 anos e ainda era catador de lixo, agora para sustento próprio. A família voltou para o nordeste quando estava com 20 anos e desde este dia vive sozinho no mesmo barraco da infância, embora modificado e já com aparência de uma casa decente.



Em uma de suas expedições pelo lixo, encontrou várias películas de filmes. Esta descoberta foi seguida de outras, um dia encontrava um projetor velho, outro dia, mais rolos de películas. Foi quando surgiu seu sonho: montar o próprio cinema.
Passava as noites construindo seu projeto, e continuava a guardar o que encontrava, começou a procurar pessoas interessadas em contribuir financeiramente. De tanto procurar, encontrou. Uma loja de materiais de construção do bairro aceitou financiar o material.




O sonho começava a se tornar realidade. José construiu a sala na frente da sua casa, pintou, seu cinema ficou exatamente como imaginava. A fachada é colorida e com imagens de ícones do cinema como Charlie Chaplin e Marilyn Monroe. As poltronas foram encontradas no lixo, uma a uma durante anos. O telão construído, o projetor consertado, as tiras de películas emendadas uma na outra com fita adesiva e seu cinema estava pronto.



A estréia foi um sucesso, o público lotou a pequena sala. Crianças, adultos, idosos, o bairro pobre do subúrbio pôde conhecer o cinema. Há dois anos o cinema do seu José diverte e encanta as pessoas. Quando entram na sala, nunca sabem o que irão assistir. Como as tiras são emendadas, a sessão pode começar com um clássico de Walt Disney e terminar com um suspense de Hitchcock. Mas não importa, a magia encanta a todos, que se não fosse por seu José, jamais conheceriam o cinema.



Ele não cobra entrada e, quando sobra um dinheiro de suas vendas de sucata, ainda compra pipoca para distribuir ao público (na maioria crianças). O cinema do seu José exibe uma sessão por semana.






O dia? Sexta-feira é claro.
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Redescobertas



Essas linhas contém tanta novidade quanto seu cotidiano.




O que ofusca a vida é o nosso olhar viciado para o mundo. Um acerto de contas com os dias que, exaustivamente se repetem, até que um torpor te impeça de compreender a simplicidade das coisas.



Eu queria mesmo é voltar a ser criança. Só para enxergar o elefante engolido por uma cobra no desenho de Exupéry. Sei que um dia já me encantei com uma folhinha se encolhendo com o toque do dedo. Poucas descobertas foram tão comemoradas.



E hoje é tudo tão sem graça que fui pega de surpresa por uma mini-pessoa me dizendo no meio de um vendaval:



_ Dani! Olha! As folhinhas estão dançando!